Mas o melhor do mundo são as crianças”
Fernando Pessoa
Só voltei em casa 16 anos depois da minha arribada.
Só fugi de casa porque queria casar.
Mãe era mulher, haam violenta. Casar haam!
Mas eu era tocadozinho pé de serra, namorador como o diabo, neguim fiota.
Namorei uma estudante. Aí menino, quando o pai da moça soube deu uma polpa da moléstia.
Huumm! Tocadozinho sem futuro, Luiz casar, huumm! Deixa ele vir pra cá que eu dou uma pisa [imitando a fala do pai da moça].
Eu soube.
No dia da feira tomei umas lapadas de cana, escorrei o homem [pai da namorada] na feira.
Oh! Seu Raimundo o senhor me chamou de mulequim sem futuro?
E o que mais Luiz? [imitando a fala do pai da moça].
O senhor disse que eu era um tocadozinho de meia tigela?
E o que mais Luiz? [imitando a fala do pai da moça].
Que eu não prestava pra casar com sua filha?
E o que mais Luiz?
Mentira Luiz!
Isso é invenção desse povo.
Tu meu coração filho de Januário e Santana! [imitando a fala do pai da moça].
Haam, o homem era muito vivo!
Eu sai dali e fui contar vantagem no meio dos amigos.
Taí, diz que o homem era bravo? Fui lá, escorrei ele no meio da feira e disse-lhe o diabo. Eu disse as do fim.
Ele se acorvador!
Nessa hora mesmo ele estava conversando com mãe lá na feira das cordas.
Santana foge daqui com Luiz pra evitar uma desgraça, me insultou. Só não dei umas tacas porque é seu filho [imitando a fala do pai da moça].
Na mesma hora mãe... nos voltamos pra casa.
Chegamos em casa assim.
Todo mundo se admirou, mas Santana essa hora já voltou da feira, num vendeu nem as cordas, que houve?
Daí a pouco menino foi um São João de Rei lá dentro da Camarinha.
Thá, thá [imitando sons secos de pancadas].
Tu queria matar o homem, toma, toma valente [imitando a fala mãe].
Thá, thá [imitando sons secos de pancadas desferidos pela mãe].
Meu pai estava na porta quando eu fugi...
Que fui passando perto do meu pai, meu pai que nunca tinha me batido aproveitou e emendou...Haam menino! Só voltei 16 anos depois (...)
Causo contado por Luiz Gonzaga no Show ao vivo Volta pra curtir. Esse show foi gravado em 1972 e produtora RCA regravou o show em CD no ano de 2001.
Graciliano Ramos viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro. Terminando o segundo grau em Maceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista. Voltou para o Nordeste em setembro de 1915, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casou-se com Maria Augusta de Barros, que morreu em 1920, deixando-lhe quatro filhos.
Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Ficou no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Segundo uma das auto-descrições, "(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas." Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Frederico Schmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).
Entre 1930 e 1936 viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial e diretor da Instrução Pública do estado. Em 1934 havia publicado São Bernardo, e quando se preparava para publicar o próximo livro, foi preso em decorrência do pânico insuflado por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de 1935. Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar Angústia (1936), considerada por muitos críticos como sua melhor obra.
Em 1938 publicou Vidas Secas. Em seguida estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetor federal de ensino. Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil - PCB (que nos anos sessenta dividiu-se em Partido Comunista Brasileiro - PCB - e Partido Comunista do Brasil - PCdoB), de orientação soviética e sob o comando de Luís Carlos Prestes; nos anos seguintes, realizaria algumas viagens a países europeus com a segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, retratadas no livro Viagem (1954). Ainda em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico.
Adoeceu gravemente em 1952. No começo de 1953 foi internado, mas acabou falecendo em 20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de câncer do pulmão.
O estilo formal de escrita e a caracterização do eu em constante conflito (até mesmo violento) com o mundo, a opressão e a dor seriam marcas da literatura. Memória: Graciliano foi indicado ao premio Brasil de literatura (fonte: wikipédia).